A prova testemunhal no processo do trabalho: novos paradigmas interpretativos da Súmula nº 357, do TST
Sabe-se em matéria processual que, de acordo com o art. 818 da CLT e art. 331 do CPC, a prova das alegações cabe às partes que as fizer. Assim, em princípio, cabe ao autor, no processo do trabalho, produzir toda a prova necessária para comprovar o alegado na prefacial, caso o réu não apresente fato impeditivo ao direito do autor, hipótese em que se inverte o ônus da prova.
A fase do processo de conhecimento na Justiça Trabalhista mais esclarecedora para o juiz é, sem dúvida, a instrução processual, na qual são colhidas as provas necessárias à elucidação da lide. E, dentre os meios de prova disponíveis para as partes, a testemunhal é a mais utilizada e aceita para provar os fatos descritos na inicial, além de ser o mais acessível para o reclamante, já que, geralmente, não possui documentos suficientes para comprovar o postulado.
É bem verdade que a prova testemunhal é de extrema importância para a formação do convencimento do juiz, e tem grande relevância para o direito instrumental. Tanto é assim que, apesar das disposições contidas no art. 405 do CPC e art. 829 da CLT, o C. Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 357, a fim de proteger o meio de prova mais utilizado pelos empregados, tradicionalmente parte mais fraca no litígio. In litteris:
“Súmula nº: 357. Não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou ter litigado contra o mesmo empregador”.
Tal súmula tem sido aplicada irrestritamente nas instruções processuais. Geralmente, os juízes indeferem contraditas formuladas pela parte ré, que sabem o interesse da potencial testemunha na lide, respaldados no entendimento sumulado acima.
Apenas indagando se o reclamante servirá também de prova testemunhal no processo em que a potencial testemunha é parte.
Entretanto, o dispositivo retro deve ser interpretado cautelosamente, por duas razões: a uma, porque as súmulas são utilizadas apenas para casos em que não há norma específica ou para pacificar uma interpretação da norma; a duas, porque, se a testemunha inquirida litiga com a mesma reclamada e com o mesmo pedido, não é de se duvidar ela será parcial, pois, independentemente de “troca de favores”, ela terá interesse na vitória obreira.
Da análise sistemática do ordenamento posto, exsurge, da própria Carta Política de 1988, que a tripartição dos poderes, externada por norma constitucional de primeiro grau, figura como uma das verdades fundantes de toda sistemática jurídica.
Por conseguinte, as Súmulas Jurisprudenciais emanadas do Poder Judiciário têm o objetivo de preencher as lacunas porventura existentes ou pacificar a correta interpretação acerca de determinado dispositivo legal. Não podem, entretanto, ser utilizadas como instrumentos legislativos, pois a prerrogativa de criar e aprovar as leis é originária de outro Poder.
Nessa trilha, a Súmula 357 do TST, conforme já explicitado, foi criada para fornecer ao julgador uma interpretação do art. 829 da CLT, não devendo ser aplicada indiscriminadamente para todas as lides.
Assoma-se ao “simples fato” de que trata a súmula, a identidade do objeto da ação. Assim, em verdade, não será considerada suspeita a testemunha que litiga ou já litigou com a mesma reclamada do processo que irá depor, mas, se o objeto de sua demanda é ou foi o mesmo, ela tem interesse na vitória do empregado.
Esse é o entendimento da doutrina, equiparando, inclusive, ao inimigo capital da parte ré aquela testemunha que demanda em juízo, com semelhante pedido, contra a mesma reclamada. Vejamos:
“A testemunha que está em litígio contra a mesma empresa deve ser equiparada ao inimigo capital da parte; o embate litigioso é mau ambiente para a prudência e isenção de ânimo que se exigem da testemunha; entender de outra forma é estimular à permuta imoral de vantagens em falsidades testemunhais mútuas, mesmo sobre fatos verdadeiros; extremamente fácil; ‘reclamante hoje, testemunha amanhã”1.
“Tem a testemunha interesse na solução do litígio quando são idênticos os pedidos que faz em sua ação e na do processo do autor, ainda que parcialmente, não tendo isenção de ânimo para depor, pois seu envolvimento irá influir em sua visão da realidade, externando aquilo que entende para si devido e não o que realmente ocorreu; deixando, portanto, de haver imparcialidade, resultando no interesse na solução da demanda que em relação a ela pretenda ser igual”2.
Aliás, acertadamente, a jurisprudência dos Tribunais Regionais, antes da edição da súmula 357, dava conta pela suspeição da testemunha na questão em comento. Vejamos a seguinte decisão:
“Acolhimento de contradita de testemunhas, que têm em curso ação contra a mesma reclamada e com o mesmo objetivo. Inocorrência. Interesse evidente. Suspeição destas caracterizada. Não ocorre cerceamento de defesa quando o juiz acolhe a contradita de testemunhas, se estas, perquiridas a respeito, declaram ter ação em curso contra a mesma reclamada e com o mesmo objeto, pois, em casos que tais, flagrante o seu interesse no sucesso da demanda, o que lhes acarreta a suspeição para depor, consoante a previsão contida no inciso IV do art. 405, do CPC.”3
Na prática, geralmente o Juízo tende a aceitar as contraditas formuladas pela parte ré quando há a troca de favores, ou seja, quando o autor foi ou será testemunha do depoente. Basta a simples alegação de que o autor não será testemunha na ação do depoente para o indeferimento da contradita.
A troca de favores, conforme entendido pelos juizes trabalhistas, torna suspeita a testemunha, não sendo válida como meio regular de prova. A caracterização da troca de favores é extremamente fácil de ser burlada, bastando que um grupo de três empregados, que litiga contra a mesma empregadora, se reveze em seus depoimentos. Assim, jamais se comprovará a troca de favores, já que o reclamante (1) de uma ação será testemunha de outro reclamante (2), que, por sua vez, servirá de prova testemunhal para o outro autor (3), que testemunhará em favor do reclamante (1), fechando-se o ciclo.
É evidente que, na hipótese, também está presente a troca de favores e o Juízo só saberá se a testemunha tem interesse no litígio se a empregadora formular contradita, bem como provar a identidade das demandas. Dizer que testemunha arrolada pelo empregado é imparcial e possui isenção de ânimo para depor, nesse caso, é, claramente, aplicar erroneamente a Súmula 357 do C. TST, ao arrepio do art. 829 da CLT e art. 405, §3º do CPC.
A Quarta Turma do C. TST, em recente acórdão publicado em 09/09/2005, entendeu ser inválida a oitiva da testemunha que possuir ação contra a mesma empresa reclamada, com pedidos semelhantes. Vejamos:
TESTEMUNHA – SUSPEIÇÃO – AÇÃO CONTRA O MESMO EMPREGADOR COM IGUAL OBJETO TOMADA DE DEPOIMENTO DIREITO DA PARTE QUE ARROLA – INTERPRETAÇÃO E ALCANCE DA SÚMULA Nº 357 DO TST E DA CLT, ART. 829. A ratio legis do art. 829 da CLT é de que a pessoa que comparece a Juízo para depor como testemunha, sendo parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo da parte, deve ser ouvida na condição de mera informante. Não pode o juiz recusar-se a ouvi-la, nessa condição, havendo requerimento da parte, sob pena de se caracterizar ofensa ao devido processo legal e cerceamento de defesa (CF/88, art. 5º, LIV e LV). A força probante desse tal depoimento, porém, será objeto de valoração pelo juiz, por ocasião da decisão, nos termos do art. 131 do CPC. Na hipótese, o e. Regional mantém a sentença que havia indeferido a oitiva de testemunha, sob o fundamento de troca de favores, em razão de a reclamante ter prestado depoimento em processo movido pela ora testemunha, com o mesmo objeto, contra o mesmo empregador. Neste contexto, impõe-se dar provimento ao recurso de revista, para anular o processo e determinar a sua oitiva, como informante, ante o disposto nos artigos 829 da CLT, 228, IV, e Parágrafo Único, do Código Civil e 405, § 4º, do CPC. Recurso de revista provido4.
(grifos apostos)
Por conseguinte, no caso de necessidade extrema, a testemunha arrolada, que tenha ação trabalhista contra as mesmas reclamadas e com pedidos semelhantes, deve ser ouvida tão somente na qualidade de informante, pela aplicação do art. 405, § 4º, do CPC, interpretando-se, adequadamente, a súmula multimencionada do TST.
Diante de todo o exposto, fica cristalino que o judiciário trabalhista deve ser cauteloso ao interpretar a súmula 357 do C. TST, aplicando-o para aqueles casos em que a testemunha arrolada pelo autor possui ação contra a mesma reclamada, mas com pedidos diferentes. Assim, poderá a testemunha prestar compromisso e seu depoimento servir como prova válida. A aplicação da súmula para todos os casos, a torto e a direito, prejudica a parte contrária e beneficia, de forma injusta, os empregados.
*Advogado com atuação no Direito Empresarial, sócio do escritório DSG – Advogados Associados.
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1 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das leis do Trabalho. 29ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004.
2 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
3 Ac. TRT 15ª Reg. 5ª T (Ac. 7.288/95), Rel. Juiz Sotero da Silva, DO/SP 22/5/95, Jornal Trabalhista, Ano XII, ny 568, p. 814
4 PROCESSO: RR – 00638-2002-002-04-00. PUBLICAÇÃO: DJ – 9/9/2005. 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. Relator: JUIZ CONVOCADO JOSÉ ANTONIO PANCOTTI.